segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

J. Guimarães Menegale em entrevista para O GLOBO: "Não devem existir partidos católicos" (1945)

Em entrevista concedida ao jornal O Globo em 5 de março de 1945, o jurista mineiro José Guimarães Menegale (1898-1965) opina sobre a participação dos católicos na vida pública. Em vias do término da Segunda Guerra Mundial e do fim do Estado Novo (no ano seguinte teria início a chamada República Nova, com a Constituição de 1946), a publicação carioca o descreve como um "líder mineiro [...] vastamente conhecido em nosso Estado como um homem de aprimorados recursos intelectuais, dotado de peregrina cultura e servido de qualidade morais as mais invejáveis". Confira a íntegra abaixo:

Não devem existir partidos católicos

BELO HORIZONTE, 4 (Especial para O GLOBO) — Sobre a posição que devem assumir os católicos, no momento, ouvimos o Sr. J. Guimarães Menegale, cuja integração no seio da Igreja Católica data aproximadamente de dois anos.

Vastamento conhecido em nosso Estado como um homem de aprimorados recursos intelectuais, dotado de peregrina cultura e servido de qualidades morais as mais invejáveis, o Sr. J. Guimarães Menegale chegou ao seio do catolicismo através de pacientes estudos sobre a religião, sendo de admirar o grande interesse que sempre votou aos documentos pontifícios, notadamente às encíclicas papais.

Iniciante a sua entrevista, declarou-nos o Sr. J. Guimarães Menegale:

— Logo de início, o que há a dizer é que a ausência dos católicos no teatro político é injustificável. Cabe a todo cidadão tomar atitude, em política, mais ao cidadão católico do que a nenhum outro. E isso pela própria concepção que temos, e de que devemos ter, da vida temporal, e ainda para satisfazer aquele postulado da filosofia cristão, segundo o qual "as coisas humanas protegem as coisas divinas". Nem há, a propósito, a declaração mais peremptória que a de Leão XIII, quando escreveu na "Imortale Dei": "Não querer tomar parte alguma nos negócios do Estado seria tão repreensível quanto não cuidar do bem comum e não lhe prestar qualquer concurso, tanto mais que a própria doutrina que professam, convida os católicos ao perfeito e consciencioso cumprimento dos deveres do cidadão. De outra parte — insiste incisivamente o grande Papa —  se eles se abstêm as rédeas do Governo passarão às mãos daqueles cujas opiniões da sociedade. Tal abstenção seria o mesmo passo desastrosa para os interesses do Cristianismo, pois que os inimigos da Igreja se tornariam de alguma forma todo-poderosos, enquanto seus amigos perderiam quase toda influência. É, pois, evidente que existem para os católicos justas razões para ingerirem na política. Daí que o façam, e devem fazê-lo, não como a aprovar o que há de censurável nas instituições modernas, senão para fazê-las servir tanto quanto possível ao bem real e verdadeiro da sociedade e para fazer passar por organismo social, como selva fecunda e sangue reparador, o espírito e a influência da religião católica.

Três dificuldades para os católicos

Indagado sobre a posição que o católico deve assumir no movimento político, declara o entrevistado: 

— Quem diz política, diz partidos, facções. Esta continência impõe aos católicos, logo de entrada, a solução de algumas dificuldades. Creio que três são as principais. Em primeiro lugar, o cidadão católico tem de escolher — e escolher na qualidade de católico é mais embaraçoso do que escolher como cidadão. Porque o cidadão escolhe entre diferenciações políticas terrenas, delicadas, por certo, respeitáveis, quanto ao seu objeto, não há dúvida; mas o católico escolhe entre diferenciações que, presas embora à atividade terrena, tem de referir-se, de um ou de outro modo aos interesses supra-terrestres... Outra dificuldade consiste em tomar partido, sem prejuízo dos indeclináveis deveres da fraternidade cristã. E, finalmente esta: a de agir, como cristão, na política ordinária, que não é especificamente cristã. Ou seja: em última análise, servir-se como cristão de processos políticos que não são essencialmente cristãos.

Uma tática a instituição de partidos

Em seguida, o Sr. J. Guimarães Menegale aborda os problemas dos católicos em face dos partidos e diz:

— A última dificudlade de ação induz logo a considerar a possibilidade, oportunidade ou legitimidade de um partido católico. Com a pouca autoridade e experiência, tenho a convicção de que tal iniciativa é desaconselhável. É claro que se justifica o emprego de cartas táticas para dar prestígio e força à atuação dos católicos na política. Os católicos devem ter meios para comunciar a política, o espírito e a influência da Igreja, como queria Leão XIII. Mas a instituição de partidos católicos é uma tática errada, um meio contraproducente. Preste bem atenção ao fato de que estou raciocinando com a realidade política e não com a política ideal. Na organização atual do mundo político, aqui e em toda parte, a atividade de um partido confessional é muitíssimo menos eficiente do que a participação dos católicos — com a plena valorização de suas convicções religiosas — em partidos políticos nos quais o concurso, a cooperação de católicos e não católicos sirva a certa coincidência de ideais superiores, condizentes com o bem comum da soceidade. Essa atividade em comum com estranhos à Igreja com intenção do bem comum e mesmo uma glória do espírito cristão... De outra parte, há muitas formas de conceber a consecuração do bem comum, e isento, mesmo entre os católicos, sem prejuízo da ortodoxia dos princípios. Porque não deixar ao cidadão a facilidade de aderir ao partido que, a seu modo de ver, mais diretamente atingirá os altos objetivos políticos que sua consciência católico lhe impõe? Uma concepção assim mais dinâmica da ação política é, inquestionavelmente, mais benéfica do que a estrita uniformidade, contrária à natureza espiritual dos homens. Tudo está em que, na diversidade da ação, se resguarda a integridade da fé.

Catolicismo e Democracia

Em seguida, o Sr. J. Guimarães Menegale, expondo, honestamente, a sua opinião sobre a Democracia, afirmou:

— Passando da esfera política à religiosa, não abandono a convicção de que a atividade política dos católicos tem de ser infensa¹ dos regimes totalitários. Esta doutrina, afinal, não é minha: é da Igreja. Ora, o único sistema que se conhece, oposto ao totalitarismo, é a Democracia. É verdade que ainda graves imperfeições adulteram o sistema democrático pelo mundo afora. Que nos compete, aos cristãos? Abster-nos, por causa disso, já sabemos que não. Substituir a Democracia por outro sistema? Qual seria ele? Girem e regirem por aí as filosofias políticas, hão de dar sempre, por fim, nesta distinção, que é a dos sistemas políticos em que se respeita a dignidade do homem e sistemas políticos em que a dignidade do homem não conta para nada. Na dignidade do homem respeita-se a Deus, que o criou à sua imagem e semelhança. A democracia é o único sistema que, na pior das hipóteses, tem essa pretensão. Se não o consegue, ainda, por inteiro, revela que os homens se esforçam por levá-la a conseguir. E, entre esses homens, tem que estar na vanguarda, os católicos, porque o que aí se quer é corrigir as imperfeições da Democracia — o melhor sistema conhecido — transmitindo-lhe "o espírito e a influência da Igreja". E não estou falando sozinho, por demomania ou coisa semelhante. A alocução de Pio XII sobre a democracia foi ouvida no mundo inteiro...

¹A palavra tem sentido de contrária ou adversa.

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